As diferentes formas de se combater uma pandemia

Jogos à porta fechada, alguns disputados em horário matinal devido ao recolher obrigatório aos fins de semana, outros adiados por casos positivos de Covid-19 nas equipas. Campeonatos parados em Aveiro devido à evolução da pandemia no distrito. Camadas jovens sem competição há nove meses, o que já motivou o abandono da modalidade por parte de vários jovens em todo o país. Máscara obrigatória nos estádios e pavilhões de todo o país, nos treinos e nos jogos, para prevenir possíveis contágios pelo novo coronavírus no seio das equipas.

O novo quotidiano da prática desportiva em Portugal é pela maioria conhecido, mas como será nos outros países? Terão as competições arrancado sem discriminações entre escalões? Haverá maior abertura à prática desportiva dos mais jovens? E público nos jogos, há? As respostas são dadas na primeira pessoa por Alexandre Pardal, Bruno Fernandes, Bruno Amaral, Leandro Quinhentas e Nuno Laranjeira, e demonstram uma heterogeneidade de visões, umas mais conservadoras do que outras. Dos cenários traçados percebe-se que o caso português está longe de ser o mais restritivo na Europa.

Em França o apoio do Governo é crucial para clubes amadores
Quando Alexandre Pardal aterrou em França, em julho, para iniciar os trabalhos de pré-época do Créteil-Lusitanos, sentiu que a pandemia do novo coronavírus estava longe de ser vista como uma calamidade pelos locais, que levavam a vida como sempre a conheceram. “No início, o Governo português foi muito mais proativo do que o francês”, diz, mas as coisas mudaram em outubro, quando “o Governo francês ganhou consciência do que se estava a passar e cortou o mal pela raiz”. Foram impostas restrições apertadas, que praticamente impedem as pessoas de sair de casa. Há polícia a fiscalizar o recolher obrigatório e quem o rompe necessita de uma justificação para o fazer. “Ir a restaurantes é completamente impossível porque eles estão fechados, e só há pouco tempo abriram algumas lojas nos shoppings”, acrescenta.



Para além disso, “todo o desporto amador e de formação está completamente parado, sem previsão para a retoma”. Como consequência dessa decisão, até a Taça de França foi suspensa. A paragem das camadas jovens “é um problema enorme para os clubes porque é uma fonte de rendimento que deixam de ter”, refere Pardal, ainda que “o Governo francês venha dando uma grande ajuda ao apoiar os clubes financeiramente”.

Ao contrário do que acontece na Ligue 1, os jogos da Ligue 2 e do National 1, o terceiro escalão competitivo do futebol francês, disputam-se à porta fechada, havendo a previsão de que, “para o meio de janeiro, se possa abrir os estádios até três mil pessoas”. A pandemia obrigou ainda a ajustes nos planos de preparação de cada encontro. “Antes de cada jogo, somos obrigados a assinar um documento em que nos responsabilizamos caso aconteça alguma coisa relativa à Covid”, explica o defesa, de 28 anos. Quando a equipa segue para estágio, “os jogadores não podem comer todos juntos no hotel, porque o Governo não o permite. Cada jogador come no seu quarto”, acrescenta. “É estranho, mas faz parte. Espero que tudo volte à normalidade”, anseia.

Na Polónia os mais novos podem treinar e jogar


No último verão, Bruno Fernandes trocou o AC Luso, promovido ao Campeonato Grande Hotel de Luso, pelos polacos do Futsal Szczecin, da 1.ª Divisão Nacional. Aos 20 anos, o ala largou tudo para correr atrás de um sonho, que nem uma pandemia teve força para travar.

Quando chegou à Polónia, ainda era possível fazer refeições nos restaurantes e os adeptos também podiam ir ver os jogos da sua equipa. No entanto, de lá para cá muita coisa mudou por ali. “Agora tenho de trazer a comida para casa, porque os restaurantes não podem servir à mesa. Também há shoppings com limite de pessoas e somos obrigados a desinfetar as mãos à entrada e à saída de cada loja”, conta. Quanto à presença de público nos jogos, “no primeiro jogo em casa podia estar 75% da lotação, nos dois seguintes só pôde estar 50% da bancada preenchida, e a partir daí já não foi mais possível” aos adeptos assistir às partidas ao vivo.

A evolução da pandemia assim o exigiu, mas a nível desportivo a Polónia pode ser vista como um autêntico oásis quando comparada com a realidade portuguesa. Por lá, “os jovens podem praticar modalidades coletivas sem qualquer restrição, mantendo os cuidados habituais”, conta Bruno Fernandes. Ele acumula o papel de jogador com o de treinador nas camadas jovens do clube e explica que, “se alguma equipa tiver algum caso positivo de Covid-19, os jogos dela são adiados e realizados mais tarde”. “Ainda não aconteceu com a minha equipa, mas já aconteceu no meu campeonato”, completa.

Restrições no Luxemburgo obrigaram o Differdange a jogar a Champions em França
A pandemia de Covid-19 teve um impacto brutal no quotidiano de Bruno Amaral. Para além de ser o treinador da equipa de futsal do Differdange, atual campeão luxemburguês, Bruno também trabalha num restaurante, que neste momento funciona apenas em regime de “take-away”. No Grão-Ducado, as regras são apertadas, mas as autoridades “criam condições para que as pessoas as cumpram”. “No início da pandemia, enviavam máscaras para casa das pessoas. Depois enviaram toda a gente para casa no “lockdown” total, mas assumiram o compromisso de pagar 80% do salário, e a quem ganhava o ordenado mínimo pagavam-no na totalidade. Impõem regras, mas criam soluções”, exemplifica.

No plano desportivo, o endurecimento das regras de combate à propagação do novo coronavírus trouxe-lhe desafios redobrados, ainda para mais numa altura em que preparava a estreia na Liga dos Campeões de futsal. “Na semana antes do jogo (com o London Helvécia), passou a ser proibido treinar no Luxemburgo e fomos fazê-lo a França”, onde o Differdange acabaria por disputar a partida por se ver privado de jogar no Luxemburgo, devido à pandemia. Pelo meio, Bruno Amaral acusou positivo à Covid-19 num dos vários testes de rotina a que toda a equipa se submete regularmente. O diagnóstico precoce possibilitou o rápido isolamento dos restantes elementos, evitando o contágio e, por conseguinte, que a preparação do encontro fosse prejudicada.



A viver um “lockdown” parcial até ao próximo dia 15 de dezembro, o Luxemburgo tem lidado com a pandemia de uma forma “mais ou menos tranquila”. Ainda assim, “pararam todos os desportos de pavilhão e também as camadas jovens no futebol”, aponta o treinador, estando previsto que as competições desportivas regressem a 10 de janeiro de 2021. “Mas será sempre com restrições”, dependendo da evolução da situação pandémica. Em todo o caso, o Differdange regressa às “quadras” a 12 de janeiro, para disputar o 16 avos de final da Liga dos Campeões, frente ao FK Chrudim, da República Checa. “Temos de começar a treinar para nos prepararmos para as competições internas e europeias”, avisa o treinador, esperançado em voltar o quanto antes ao pavilhão.

Mão pesada manteve pandemia controlada em Andorra
É um clichê, é certo, mas 2020 será um ano que Leandro Quinhentas dificilmente esquecerá. Pela pandemia de Covid-19, mas também pelo título da 2.ª Divisão de Andorra, conquistado ao serviço do Penya. Hoje, veste a camisola do FC Ordino, “um clube histórico de Andorra, muito acarinhado por todos” naquele principado.

“O desporto é a potência do país. Esqui, escalada e rugby são os principais, e o futebol e as outras modalidades estão a ser retomadas. Começámos a jogar em novembro e esperamos que não pare”, refere o avançado. Ele elogia a gestão feita pelos governantes locais, que adotaram “medidas drásticas e multas pesadas para quem não respeita as regras”, as quais ajudaram a que a pandemia estivesse “muito controlada desde o início”. No reverso da moeda está “o comércio e a restauração, que vivem momentos difíceis, pois têm muitas restrições”, acrescenta.



Depois de ter interrompido as competições na época passada, a Federação andorrenha desenhou uma retoma progressiva da competição. “Os treinos são com grupos reduzidos de jogadores e, até há pouco tempo, não podíamos fazer peladinhas nem jogos de treino”, refere Leandro. São essas, também, as regras para as camadas jovens, que “só podem treinar”, não sendo permitido aos mais novos tomarem banho nos balneários”. “Só em casa, para não haver grande contacto”, esclarece o avançado, de 23 anos.

Quanto ao público está impedido de ver os jogos na bancada mas, lá como aqui, o engenho permite o contorno da regra. “Como os estádios, por norma, ficam nos centros das cidades e existe visibilidade das ruas para o relvado, muita gente assiste aos jogos e apoia-nos imenso”.

Na Islândia as atividades desportivas pararam com o disparar de casos


Na Islândia, vivem-se dias mais descansados depois de um período em que “as transmissões estavam descontroladas”, conta Nuno Laranjeira, o que obrigou à tomada de “medidas duras” por parte do Governo local.

Ainda assim, o antigo defesa da UD Oliveirense, hoje com 43 anos, confessa que o seu dia a dia pouco ou nada mudou. “Apenas temos de usar máscara sempre que entramos em lugares fechados”, medida que se tornou universal no combate ao novo coronavírus. Grande parte dos restaurantes fechou, “e os que não fecharam só podem ter até dez pessoas no seu interior”, e no comércio faz-se o “controlo do número de pessoas no interior e na entrada, mas as lojas continuam abertas”, acrescenta. Quanto aos hospitais, “conseguiram lidar bem com a situação, também porque tomaram-se sempre as devidas precauções nos momentos certos”, acredita.

O futebol, esse, está totalmente parado de há um mês e meio para cá. “O campeonato acabou e as modalidades não têm atividades. Mesmo para os mais jovens parou tudo”, explica, lembrando que, na Islândia, “podia-se ver os jogos no estádio” até à interrupção das atividades desportivas.

Portugal: Gestão difícil a pedir maior abertura
Mesmo à distância de muitos quilómetros, todos seguem com atenção aquilo que se vai passando no nosso país. Os efeitos da pandemia no desporto nacional são evidentes, seja pelos constrangimentos que geram na própria prática desportiva ou pelas bancadas vazias nos estádios e pavilhões, mas a forma de lidar com eles não é consensual.

Com uma visão abrangente sobre o tema, Alexandre Pardal recua um pouco no tempo para, em primeiro lugar, justificar o porquê de, por cá, os campeonatos distritais, de futebol e de futsal, se terem iniciado tão cedo esta época. “Ainda bem que isso aconteceu, mas penso que eles só arrancaram porque o Governo português não tem condições para apoiar financeiramente os clubes, coisa que em França existe”.

No que toca ao facto de os adeptos não poderem assistir a jogos ao vivo, Leandro Quinhentas acredita que “ainda é um pouco cedo para haver multidões nos estádios ou mesmo em quantidades reduzidas” porque “o vírus ainda está longe de acabar”. Pelo contrário, Nuno Laranjeira defende que “os estádios são seguros desde que tomadas as devidas precauções”, dando como termo de comparação “comícios ou a Festa do Avante, entre outras coisas”, que receberam público ao longo dos últimos meses.

“É demais o que estão a fazer ao futebol”, critica o antigo capitão da UD Oliveirense, opinião que Bruno Fernandes estende ao futsal. O jovem pensa que “as medidas estão a ser demasiado drásticas”, lamentando que “a 2.ª Divisão Nacional e até os distritais estejam parados”, ao contrário do que acontece com a Liga Placard, o que, a seu ver, “não é justo”.

Bruno Amaral tem a consciência de que as medidas tomadas têm tido por base “questões de saúde”, mas lembra que “o desporto também acaba por ser importante” para nos mantermos saudáveis, residindo na ponderação entre estas duas visões o segredo para soluções mais equilibradas. Considerando que, “em Portugal, as coisas têm corrido mais ou menos bem” na gestão da pandemia, o técnico elogia o engenho da Associação da Futebol de Aveiro para proporcionar momentos de competição aos mais jovens, que estão impedidos de o fazer desde março. “Sei que estão a tentar criar um campeonato de Sub-20, o que é bom. Dentro das limitações que existem, é importante dar competição aos miúdos que estão a chegar à idade sénior”, salienta.

Certo é que as competições, em Aveiro, regressam no início de 2021, com a perspetiva de seguirem o seu curso normal até ao fecho da época. O virar do ano é encarado por todos com a esperança de se poder retomar uma normalidade perdida de forma repentina e drástica. O desporto, por todos os motivos e mais algum, também anseia por esse momento.

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12 de Dezembro de 2020
Rui Santos
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