A liderança do Esmoriz no Campeonato Safina à jornada 13 é mais surpreendente pela vantagem pontual sobre o segundo e terceiros classificados (seis e sete pontos) que pelo valor da equipa, que já se admitia. Tem confirmado jogo a jogo capacidade para estar entre os principais candidatos ao título distrital, é verdade, porém o campeonato tem muitas e consecutivas "provas de fogo". Quem é esta equipa?

Assente numa base experimentada (defesas centrais e médios), mas recebendo importante injeção de irreverência de jovens com potencial, o Esmoriz não seduz tanto pela estética mas sim pela robustez e consistência do seu jogo. Não corre riscos, evitando assim construir em progressão: diminuta ligação entre as primeira e segunda fases de construção e também diminuta posse e circulação de bola.

Porém, preenche os espaços com critério (funções de ocupação e vigilância) enquanto ataca, raramente se desequilibrando defensivamente. Este posicionamento base revela equilíbrio e estabilidade, como também observação e concentração a nível psíquico - que facilitam a adequação táctica a cada situação de jogo e transmitem confiança aos colegas que atacam diretamente o adversário.

Pressão e aceleração, mas... 
O Esmoriz tem uma atitude solidária e buliçosa: fomenta a marcação pressionante, estimulando uma rápida reação à perda de bola. Concentra linhas, nem que para isso as recue, para controlar o adversário. É uma postura humilde e pragmática! O objetivo, para além, naturalmente, de recuperar a bola, passa sobretudo por diminuir a profundidade da sua defensiva, evitando a construção do jogo por parte do adversário e defendendo as costas dos seus próprios defesas.

A aceleração e a profundidade no último terço são características distintivas do seu jogo mas a bola tem de chegar lá com critério para que isso possa acontecer. E quando acontece, transforma-se numa equipa perigosa.

O Esmoriz pode melhorar o seu jogo, e evitar expor-se nas fases em que o adversário está por cima, se conseguir com que os seus médios não se "encostem" tanto aos defesas centrais; e também se for capaz de imprimir uma superior dinâmica em processos de construção. Parece-nos ter dificuldades em fazê-lo tendo dois dos médios com recursos de mobilidade muito semelhantes.

Firmeza de carácter e cooperação lógica 
O surpreendente empate na Mealhada na jornada anterior - um aviso, sem dúvida, de que todos os jogos exigem disponibilidade mental em alta - terá retirado alguma serenidade ao Esmoriz, sobretudo na primeira parte, diante do Bustelo. Mas a firmeza, o forte carácter psico-emocional, está lá: confiança, concentração, superação... e autodomínio.

Foi visível este autodomínio sempre que um jogador teve uma opção errada ou um gesto técnico deficiente: o jogo, nesses momentos, ou em vários momentos, podia não estar a ser feliz mas a equipa raramente se desconcentrou ou se desorganizou. E este é um factor imprescindível para se atingir uma efetiva regularidade.

Talvez tenha residido aqui a principal diferença entre Esmoriz e Bustelo, que desta vez não teve os espaços observados no jogo em Aveiro (por nós observado e elogiado em crónica anterior). Para além disso, o Bustelo não disfarça um estado psico-emocional debilitado pelo começo aquém das expectativas.

O Bustelo foi sobretudo uma equipa reativa: só perdeu o medo de ganhar quando esteve a perder. E aí sim, em desespero mostrou vontade e argumentos para chegar ao golo. Que o desespero não deixou...

Este foi o segredo patente no jogo de domingo: a vontade de cada jogador, por si só, não chega. A diferença faz-se através de uma cooperação lógica.

Há uma fronteira entre o sucesso e o insucesso que também é determinada por uma vontade superior. É preciso que haja uma vontade pessoal mas a diferença faz-se quando essa vontade é também relacional. Uma relação desportiva, acima da relação social. Os jogadores podem dar-se bem socialmente mas é preciso que se entendam desportivamente; e até se podem entender na perfeição desportivamente sem que tenham uma relação social.

É essa vontade relacional que determina uma orientação, uma solidariedade, um incentivo... uma lógica na cooperação entre as unidades que, dentro de um campo de futebol, são capazes de influenciar o sentido de um jogo. 

Augusto Semedo
Treinador de futebol